As serpentes e a Deusa




Há alguns meses atrás teve um incêndio em uma área de vegetação aqui em frente de casa. Havia animais diversos fugindo do fogo, e essa é uma cena que corta o coração pois fiquei pensando nos que não conseguiram fugir. Nesse momento, vi uma grande serpente de cor coral se arrastando para longe do fogo, e pedi bençãos para que o fogo não a atingisse (e também liguei para os bombeiros). Sua velocidade era lenta, mas ela teve sorte.

Depois desse momento, tive muitos sonhos com serpentes e comecei a sentir uma conexão com elas. Iniciei uma pesquisa e vi que existem serpentes tão lindas que é inacreditável a natureza criar algo assim, como essa da foto.

Quando eu era criança eu morava praticamente em frente ao Instituto Butantã em São Paulo, estudei em uma escola ao lado dele e as visitas eram tantas que eu perdi a conta. Porém, não tinha muitas lembranças das cobras, então resolvi visitar depois de muito tempo e fiquei vislumbrada com esses animais.  Por isso, sugiro a visita, vale muito a pena, ainda mais se você gosta de répteis.

Serpentes são fascinantes pois são animais muito fortes e adaptáveis, além de todos os simbolismos mitológicos e arquetípicos envolvidos.

Existem inúmeros artefatos arqueológicos que mostram a ligação das deusas antigas com as serpentes.


A segunda foto é de uma deusa minóica, provavelmente cultuada em Creta, que era uma ilha matriarcal e onde as mulheres tinham uma posição social e sacerdotal muito respeitada.

A cobra troca de pele e se renova, por isso é um símbolo da imortalidade, além disso, rasteja entre os mundos como cavernas e túmulos(submundo), por terra (mundo terreno) e por cima das árvores(céu). Também assemelha-se ao cordão umbilical, ao falo (seu corpo) e à vagina (de boca aberta), sendo por isso a representação da junção dos polos masculino e feminino unidos, do renascimento e do próprio tempo.

A serpente também possui um veneno do qual se pode induzir transes ou aproveita-los medicinalmente. Curandeiros antigos estudavam os venenos das cobras e acreditavam no princípio "similia similibus curantur" ("similar se cura com similar"), que é um dos princípios da homeopatia, que também se assemelha às ferramentas da magia simpática ("similar atrai similar"). Hoje, a indústria farmacêutica estuda venenos de serpentes para a criação de remédios muito lucrativos, como o captopril (para pressão alta), feito com o veneno da jararaca.

Na Antiguidade, era comum oráculos usarem serpentes, gases, plantas e cogumelos venenosos como a datura e a dedaleira para induzir estados de transe. No  Oráculo de Delfos, por exemplo, os oráculos eram sempre mulheres, conhecidas por ser sacerdotisas e médiuns de Gaia de muito antes que as mulheres fossem ensinadas a servir aos homens (a Apolo).


De acordo com a mito, Apolo decidiu construir o templo de Delfos quando derrotou uma serpente enviada por Hera. Essa derrota da serpente pode ser interpretada como a difamação e opressão do patriarcado (Apolo, deus da razão) sobre o matriarcado (Serpente, antigo símbolo da Deusa). Mitos similares são datados dessa transição estrutural de sociedades matriarcais para patriarcais.



Na terceira imagem, está uma imagem referida a Lilith, uma antiga deusa serpente da Suméria, demonizada na mitologia católica e no judaísmo. Porém, alguns estudiosos afirmam que a deusa retratada na imagem é Astarte (Fenícios)/Ishtar (Acádios)/Inanna (Sumérios), divindade muito antiga do Oriente Médio, que posteriormente foi citada de modo caricatural e distorcido no Apocalipse de João como a prostituta sob a besta.


Inanna era uma deusa suméria lunar da abundância, da vida e da morte. Foi frequentemente retratada com asas e com um duplo cajado de serpentes, sendo por isso uma antiga deusa pássaro e serpente, do reino da vida, da morte e da renovação. Foi adorada por muitos nomes: Astarte em Canaã, Star na Mesopotâmia, Astar na Arábia, Stargatis na Síria. Seu culto se espalhou pela Europa e outros continentes, onde foi cultuada em muitos nomes, e seus símbolos permaneceram intactos:  Afrodite (Planeta Vênus - Deusa do êxtase primordial), Perséfone/Deméter (Serpentes, abundância e submundo - seu culto retrata a descida da Deusa e a luz/escuridão sobre a terra), Diana/Ísis (Lua - Seu aspecto lunar e celestial), entre centenas de outros nomes. O culto da Lua Cheia de Ishtar era conhecido como shapattu, onde realizavam oferendas como velas, perfumes, mel, flores e vinho, dançavam e cantavam hinos em sua honra. Há estudos que afirmam que a dança Raks Shakti (conhecida aqui no ocidente como dança do ventre) tem origens no culto antigo dessa deusa. (Na quarta foto você vê a bruxa Laurie Cabot dançando)



Hoje, vivemos em um mundo cujos deuses são distantes da Natureza: adoramos o consumismo, o crescimento econômico a todo custo e a razão fria e crua que disseca e explora a tudo pelo prazer e suposto progresso da raça humana. Desse modo, vamos cada vez mais nos esquecendo de onde viemos e dos elementos que nutrem nosso corpo e nossa alma.

Vivemos em uma época onde as últimas florestas estão sendo invadidas e os últimos recursos sugados e contaminados. Nós, denominados bruxas e bruxos, estamos no decorrer dos tempos a lutar contra isso e a tornar vivo o arquétipo da Grande Mãe. Nos chamam de bruxas e de bruxos porque sentimos o chamado, esse mesmo chamado que nos instiga a conhecer os mistérios ocultos na natureza, e a desenvolver extremo respeito por ela. No final, sabemos que esses mistérios são muito simples e acessíveis a todos.



A serpente vem como um símbolo de renovação: uroboros, o simbolo alquímico é necessário em nossos tempos. A transformação alquímica não é aquela que traz ouro material, mas sim a riqueza interna e espiritual, que traz junto dela cura para o planeta e para a humanidade, e também revela os mistérios antigos que ainda vivem dentro de cada ser desse planeta.

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